Derrubando mitos comuns sobre a Reforma Administrativa
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Derrubando mitos sobre a Reforma Administrativa

Darci de Matos, relator da reforma administrativa, e Jair Bolsonaro

Em entrevista para o Conexão ND, programa de uma afiliada catarinense da Record News, o relator da Reforma Administrativa na CCJ da Câmara, deputado Darci de Matos (PSD-SC) reforçou uma série de mitos sobre os servidores públicos no Brasil.

Matos disse que é preciso regulamentar o artigo 41 da Constituição Federal (que trata da estabilidade dos servidores públicos) porque, segundo ele, “prefeitos e governadores hoje têm dificuldade em demitir quem não produz, quem não obedece, quem não cumpre obrigações”. O deputado também afirmou que existem médicos no serviço público que atendem 50 pacientes por dia, enquanto outros atendem apenas 5.

Para Pedro Pontual, que é presidente da Anesp (Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental), o problema colocado como exemplo pelo deputado é uma questão relativa à gestão de recursos humanos.

“Não adianta a gente discutir a demissão do médico. O fato de o deputado ter a ciência de que o Artigo 41, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998, precisa ser regulamentado para que possa ser feita uma avaliação de desempenho adequada do servidor significa que ele também entende que não há necessidade de uma PEC para trazer novamente o assunto”, explica.

Pontual também enfatiza que a demissão do servidor por mau desempenho ou não cumprimento de função já existe e é aplicada. “Hoje é possível demitir quem não cumpre suas obrigações. Já é considerado desídio, abandono de emprego. A CGU demite servidor público todos os anos por essas razões. É inverídico dizer que a estabilidade é absoluta e protege o mau servidor”.

Mudanças radicais para novos servidores

Para quem pensa em ingressar no serviço público, o relator deixa claro que a mudança será radical caso a PEC 32/2020 seja aprovada, e que só haverá concurso público para as carreiras típicas de estado, que o deputado classificou como “aquelas que têm poder de polícia”, embora o governo não tenha deixado isso claro na proposta.

Para Pedro, a avaliação do deputado é “muito preocupante, porque mostra desconhecimento do Poder Executivo”. Estando a garantia dos serviços públicos como direito do cidadão e dever do Estado na Constituição Federal, “inserir essas limitações de contratação é contraditório e inconstitucional”, afirma o presidente da Anesp.

Destruindo mitos

Darci de Matos disse que o serviço público é oneroso, ineficiente e corrupto, e que com sua digitalização e a modernização, já não será preciso tantos servidores. Quando questionado se o fim dos concursos públicos não iria aumentar o número de apadrinhados políticos, Matos respondeu que não porque o MP (Ministério Público), o TCU (Tribunal de Contas da União) e a imprensa vão fiscalizar a contratação de milhares de médicos, enfermeiros, professores, auxiliares e outros em todo o país.

Pontual reafirma que é preciso ter estudos de impacto para avaliar a economia que pode resultar da Reforma e que esses números não foram apresentados até hoje pelo governo federal.

“A questão de reduzir a quantidade de servidores em função da modernização é uma questão de planejamento e gestão. Colocar isso na Constituição Federal não tem sentido, porque você não pode fazer uma proibição genérica de uma situação de deve ser avaliada caso a caso. O mesmo vale para o monitoramento esperado pelo TCU sobre apadrinhamento de cargos. Se você espera que o MP e o TCU façam mais trabalho, mas está reduzindo a força de trabalho que esses órgãos têm é contraditório”, explica.

O Estado pode colapsar

Ao ser questionado sobre como essas mudanças na realização de concursos públicos e estruturação de carreiras de novos servidores impactaria o Estado brasileiro, o presidente da Anesp é categórico. “Acabar com os concursos públicos e contar com essas mudanças todas faria sentido se a gente tivesse uma discussão prévia, como os países mais responsáveis para com os direitos da população fizeram”.

“Colocar ideias genéricas na Constituição Federal, sem nenhum tipo de embasamento técnico, é muito perigoso, sobretudo no momento pelo qual passamos”, diz.

Pontual acredita que o ponto principal dessa discussão seria garantir que no futuro o serviço público siga recrutando bons profissionais. “Essa deveria ser a principal diretriz. Ficar discutindo limitações ou mudanças draconianas sem parar para entender o serviço público e suas diferenças estruturais com o setor privado é extremamente temeroso de causar um colapso no Estado. Não faz sentido vivermos um colapso hoje por causa da pandemia e vivermos outro, em seguida, pela gestão irresponsável da Constituição Federal”, avisa.

Mudanças na entrega do relatório

O relator Darci de Matos decidiu ampliar o tempo de entrega do relatório sobre a Reforma à CCJ. Por causa da pandemia da covid-19, as atividades da Câmara dos Deputados permanecem quase que completamente suspensas até segunda ordem do presidente Arthur Lira (PP-AL). Por isso, o relatório deverá ser entregue apenas no final de abril.

A mudança se deu em decisão de um duro discurso de Lira atentando para a necessidade de manter o foco nas pautas relativas ao combate da pandemia, um claro recado ao presidente Jair Bolsonaro, que tem priorizado discussões econômicas.