O peso dos militares para o Brasil
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O peso dos militares para o Brasil

Em outubro de 2018, o Brasil elegeu um capitão da reserva como 38º presidente do Brasil. Jair Bolsonaro, eleito com pouco mais de 47 milhões de votos, daria início ao governo mais militarizado da nossa história. Sim, hoje temos mais militares ocupando cargos no Executivo do que na época da ditadura militar. E qual é o reflexo disso para o Brasil?

Jair Bolsonaro fazendo flexão de pescoço

Do ponto de vista governamental e social, é óbvio. Vivemos, no Brasil de Bolsonaro, uma perigosa militarização da política. Do ponto de vista econômico, passa-se a defender reformas neoliberais da administração pública para dar lugar à gestão militarizada da sociedade, o que alguns estudiosos chamam de neoliberalismo autoritário.

A defesa de tais reformas, em especial da Reforma Administrativa, a menina dos olhos do ministro da Economia Paulo Guedes, é justificada por seus entusiastas pela necessidade de conter os gastos públicos. Um dos principais gastos da União é com o pagamento de servidores.

Militares ficam fora da Reforma Administrativa

Contudo, é preciso esclarecer que grande parte desses gastps é destinada aos supersalários, presentes principalmente no Judiciário, no Legislativo e entre os Militares, carreiras que ficaram de fora da proposta de reforma do governo encaminhada ao Congresso Nacional por meio da PEC 32/2019.

Segundo estudo do TCU, datado de julho de 2020, 6.157 militares da ativa e da reserva ocupam cargos civis no governo Bolsonaro. Desses, 2.643 estão em cargos comissionados do governo (43%), o que representa um aumento de 33% em relação a governos anteriores. Qual é o peso disso nas contas públicas?

De acordo com levantamento do IFI (Instituto Fiscal Independente, ligado ao Senado Federal) os gatos com pessoal representam 7,3% de tudo o que é gasto com a defesa no País. Em 2019, foram gastos R$26 bilhões com vencimentos de militares.

Brasil gasta muito com os militares

O Brasil, em comparação com países que integram a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), está entre as três nações que, proporcionalmente, mais gastam com salários e pensões para militares.

Vale o adendo de que a Otan é uma aliança militar de países com alto potencial bélico e com histórico de participação em conflitos. O Brasil não faz parte da organização, o que deixa sua posição em relação aos gastos, ainda que a título de comparação, mais injustificável.

Para justificar os altos gastos, o Ministério da Defesa informou que a despesa com pessoal está relacionada ao acúmulo de funções desempenhadas pelas Forças Armadas no Brasil, como a operação do Exército para levar água ao semiárido. Assim como no episódio recente da divulgação dos gastos federais na ordem de R$ 15 milhões para aquisição de latas de leite condensado para alimentar o efetivo das Forças Armadas (370 mil pessoas) “por seu potencial energético“, a emenda saiu pior do que o soneto.

Militares não se aposentam

Tecnicamente, os militares não se aposentam, eles passam para a reserva remunerada e são efetivamente desligados apenas quando são reformados. Se somarmos a isso a questão das pensões, o vínculo de um militar com o Estado dura por décadas. E o gasto também.

Os militares das Forças Armadas ganham de R$ 1.560 a R$ 13.471 (fora gratificações e indenizações). Ao acumular benefícios e cargos no governo, por exemplo, um militar pode ganhar até o teto constitucional do salário para servidores públicos, que equivale ao salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal, no valor de R$ 39.293.

Hoje, o militar recebe como ajuda de custo quatro vezes o valor do seu salário. Sendo assim, um militar que ganha R$ 10 mil mensais vai para a reserva ganhando R$ 40 mil como benefício. Com a reestruturação da carreira, essa ajuda passaria para oito vezes o valor do salário, ou seja, 80 mil reais.

Nos dois últimos meses de 2019, a União desembolsou R$ 128,2 milhões em pensão para filhas de militares brasileiros. Embora a concessão de pensão a filhas de militares mortos tenha sido extinta em 2000 para novos servidores, ainda poderá ser paga pelos próximos 40 anos. Para assegurar o pagamento de pensão integral às herdeiras, o militar que já estava nas Forças Armadas na época da abolição da regalia pode pagar uma contribuição previdenciária de 1,5% a mais.

Militares têm prioridade no Orçamento

O presidente Jair Bolsonaro encaminhou ao Congresso a sua proposta de Orçamento para 2021 em agosto do ano passado. Nela, foi incluída um aumento generoso das despesas das Forças Armadas. A proposta previa R$ 110,7 bilhões para as despesas primárias do Ministério da Defesa, uma alta de 4,7% em relação ao ano anterior.

Devido à regra do teto de gastos, esse aumento representa quase um sexto de todo o crescimento de gastos que a União pode realizar em 2021. Para a Saúde, que deveria ser prioridade durante a pandemia, Bolsonaro propôs o orçamento de R$ 135 bilhões, uma redução drástica em relação a 2020. (R$ 173,4 bilhões).

Rombo na Previdência

Dados divulgados em julho de 2020 pelo Tesouro Nacional mostram que o gasto proporcional do governo para cobrir o rombo na Previdência em relação aos militares, em 2019, foi 17 vezes o valor gasto com um trabalhador do setor privado que se aponta pelo INSS.

Foram gastos, em média R$ 121,2 mil para cobrir o rombo de cada militar. Esse valor foi de R$ 6.900 para beneficiários do INSS e R$ 71,6 mil para cada servidor público. A remuneração média dos militares que estão na reserva (R$ 128,2 mil por ano) é mais de seis vezes a de um aposentado do INSS (R$ 20,4 mil por ano). O servidor público aposentado recebe, em média, R$ 116,4 mil por ano. A renda média do brasileiro, em geral, é de R$ 17,3 mil por ano.

Reforma da Previdência dos militares foi diferente

As regras previdenciárias para os militares são diferentes daquelas para trabalhadores da iniciativa privada e servidores públicos. Segundo o governo, a carreira militar tem especificidades e, por isso, requer tratamento diferenciado.

As mudanças para os integrantes das Forças Armadas ficaram de fora da reforma da Previdência. As novas regras para eles foram determinadas por meio da Lei 13.954/19.

A principal mudança é a ampliação do tempo de serviço nas Forças Armadas de 30 anos para 35 anos. A alíquota de contribuição aumenta gradualmente de 7,5% para 10,5% em 2021, inclusive com cobrança de pensionistas, que atualmente não contribuem para o sistema. No caso dos militares, não haverá idade mínima de aposentadoria e a regra de transição será mais vantajosa que a aplicada aos civis, com pedágio de 17% sobre o tempo que falta para o militar ir para a reserva.

Benefícios

Além desse tratamento diferenciado, Bolsonaro concedeu aos militares o reajuste de mais um benefício. O chamado de “adicional de habilitação” foi criado durante o governo FHC. O valor era o mesmo desde 2001, mas sofreu reajuste de até 73% com autorização de Bolsonaro.

O benefício é concedido aos militares das Forças Armadas que fazem curso ao longo da carreira e terá o custo de R$ 26,54 bilhões em cinco anos. O impacto foi de R$ 1,3 bilhão em 2020, em plena pandemia, de acordo com nota técnica do Ministério da Economia e dados do Ministério da Defesa.

O reajuste adicional, aprovado com a Reforma da Previdência, deveria ter sido suspenso até dezembro deste ano, junto com o congelamento de reajustes salariais dos servidores civis, ideia do ministro Paulo Guedes, aprovada pelo Congresso.

Quase 12 milhões de trabalhadores da iniciativa privada foram atingidos durante a pandemia com corte de salários e suspensão de contratos. No entanto, os ministros militares do governo Bolsonaro conseguiram negociar em favor próprio junto ao então presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Na prática, o gasto anual com o pagamento dessa bonificação no soldo dos militares crescerá ano a ano, e em 2024 já estará em R$ 8,14 bilhões.

Bolsonaro, que tem privilegiado as carreiras militares desde o início do mandato, criou um outro adicional, o de disponibilidade militar, com impacto previsto de até 2,7 bilhões de reais por ano. Esse benefício engorda os salários em até 41%.

Foi a mesma lei que ajustou o adicional de habilitação que permitiu que militares inativos possam ser contratados para exercerem tarefas em outros órgãos da administração pública com um adicional de 30% da remuneração na aposentadoria. Mais uma medida que facilita a militarização do serviço público. Enquanto isso, Paulo Guedes, ministro da Economia de Bolsonaro, chama o servidores civis de “parasitas”.


Sendo assim, podemos concluir que o custo dos militares para o Brasil é alto, principalmente por conta de seus privilégios, incrementados pela gestão de Jair Bolsonaro. Mesmo assim, eles permanecem de fora das chamadas “reformas estruturantes”, que têm impactado muito negativamente os trabalhadores. O discurso de combate de privilégios, que sustenta os argumentos dos defensores das reformas, portanto, não se mantém.

Gestão militarizada da sociedade

Esse custo é ainda mais pesado se analisarmos o significado simbólico de um governo democrático majoritariamente militar.

“A composição central do governo Bolsonaro acaba associando, assim, as reformas econômicas neoliberais com a militarização da administração pública e a gestão militarizada da sociedade. Esse casamento, que ainda se apoia no discurso neoconservador para construir e atualizar o inimigo interno, se desenvolve em detrimento da democracia, constituindo a versão brasileira do neoliberalismo autoritário”.

Essa definição, cunhada por Daniel Pereira Andrade no artigo Neoliberalismo Autoritário no Brasil, explica perfeitamente um País que tem vivido sob a sombra de uma “democracia militar” desde a eleição do capitão. E que tem pagado um preço alto por isso.