Os problemas da Reforma Administrativa para o meio ambiente
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Raposas cuidando do galinheiro: os problemas da Reforma Administrativa para a área ambiental

Reforma administrativa pode ser letal para o meio ambiente

Incêndios na Amazônia aumentaram 30% no primeiro ano do governo do presidente Jair Bolsonaro. A comparação foi feita pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e leva em consideração dados do ano anterior. Esse dado é um bom indicador do viés da política do atual governo para o meio ambiente.

Os números foram divulgados cinco meses após os incêndios na Amazônia terem causado uma crise diplomática internacional, com duas críticas feitas pelo presidente da França e de outros países a Bolsonaro. E, dada a situação e a resposta de Bolsonaro sobre o caso, o Inpe só pode divulgar os números verdadeiros porque tem autonomia.

A BBC News, por meio de pedido à Lei de Acesso à Informação, descobriu que, desde a posse de Bolsonaro, em janeiro de 2019, área ambiental já perdeu quase 10% de seus servidores.

Órgãos de fiscalização correm risco

A redução se deu, principalmente em órgãos de fiscalização, como Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Essa redução não aconteceu por acaso e faz parte do plano de “passar a boiada”, defendido pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Fiscalização e controle de ações que agridem o meio ambiente nunca foram prioridades do governo Bolsonaro.

Bolsonaro não prioriza o meio ambiente

Inclusive, o próprio presidente já mostrou que não é fã das causas ambientais. O Ibama exonerou o servidor José Augusto Morelli do cargo de Chefe do Centro de Operações Aéreas da Diretoria de Proteção Ambiental, em março de 2019. Ele foi o responsável por uma ação de fiscalização executada em 25 de janeiro de 2012 que autuou e multou Jair Bolsonaro em R$ 10 mil por pesca ilegal.

E isso tem tudo a ver com a proposta de Reforma Administrativa entregue pelo governo ao Congresso em setembro de 2020, por meio da PEC 32/2020. A proposta traz uma série de medidas, que, na prática, servirão unicamente ao propósito de enfraquecer e desmontar o Estado.

Reforma Administrativa prejudica causa ambiental

É isso o que diz a professora Gabriela Lotta (FGV) que participou recentemente de discussão virtual proposta pela Ascema Nacional (Associação Nacional de Servidores da Carreira de Especialista de Meio Ambiente). Para ela, o fim da estabilidade acaba com a capacidade dos servidores de atuar implementando as leis dentro da área ambiental.

“[A área ambiental está] absolutamente sujeita a disputas e conflitos com pessoas muito importantes. Então a chance de um fiscal ser demitido é grande, e nós vimos casos recentes que reforçam essa tese. A gente não saberia de aumento de desmatamento, de queimadas, que não se está aplicando leis e multas, não saberíamos nada disso caso os servidores não fossem estáveis e tivessem resguardo legal para fazer essas denúncias fundamentais para a sociedade”, explica.

Estabilidade do servidor permite formalização de denúncias de crimes contra o meio ambiente

Órgãos de fiscalização, como no caso da questão ambiental, serão os mais afetados. Com o possível fim da estabilidade, situações como essa do Ibama serão cada vez mais recorrentes. A estabilidade garante ao servidor que ele tenha o direito de exercer suas funções sem estar sujeito a interferências políticas de quem quer que seja, além de assegurar amparo legal caso esse servidor seja alvo de perseguição.

“A politização dentro do serviço público tem várias consequências, como trazer pra dentro do Estado esses interesses escusos de parcela da sociedade que quer destruir essa capacidade de controle, de ação do próprio Estado. Estaremos colocando a raposa para cuidar do galinheiro”, disse.

Lotta apontou uma série de problemas decorrentes da aprovação do texto da PEC, como está no momento, e como isso poderia intervir nos mecanismos de controle e eficiência de órgãos ligados ao meio ambiente.

“Outra questão é o vínculo de experiência. A ideia de que você passe no concurso, entre, mas só seja efetivado depois de um tempo em que você vai competir com outros servidores pela estabilidade é problemática. Como é que um analista ambiental vai assinar um documento tendo um vínculo temporário? Como vamos avaliar se ele faz a ação correta se ele não pode fazer isso antes de ser estável? Temos um problema quase tautológico.
A gente sabe que a área ambiental raramente é priorizada pelos governos”, diz.

Plenos poderes para passar a boiada

Outro pronto que tem causado discussões acaloradas a respeito da PEC é a ideia de dar plenos poderes ao presidente da República para criar e extinguir entidades, órgãos e carreiras. “Provavelmente não teríamos mais o ICM-Bio, o Ibama, o serviço florestal se dependesse da vontade do atual presidente”, provoca Lotta.

Para ela, a PEC 32, em conjunto com uma série de outras medidas do governo atual, como a PEC Emergencial, fazem parte do projeto de “desmonte do Estado que segue em curso”. “Isso se materializa nas perseguições cotidianas, nos desmandos, nas omissões, nas nossas instituições não funcionando, em escantear servidores públicos”, explica.

Como parte da tentativa de proteger servidores e também o meio ambiente, a Assemma (Associação do Servidores do Ministério do Meio Ambiente) encaminhou um ofício a Ricardo Salles e ao TCU (Tribunal de Contas da União), em julho do ano passado.

No documento, servidores reclamam de programas incompletos, falta de diálogo com outras instituições, propaganda irregular, imposição de uma “mordaça” e assédio moral a funcionários. Eles também reclamam de alta rotatividade de cargos de chefia no MMA e da manipulação de dados na divulgação de resultados.

Os desmandos não param por aí. Também no ano passado, servidores do Ibama protestaram contra a nomeação de militares por Salles, já que auditoria do TCU mostrou uma série de irregularidades nessas nomeações.

Em setembro de 2020, a Ascema Nacional divulgou um documento com a listagem de todas as ações do governo Bolsonaro contra o meio ambiente. O relatório foi enviado à ONU e também ao Papa Francisco.

O governo Bolsonaro é prova de que a eficiência e toda a estrutura do Estado, assim como sua capacidade de prestar serviços de qualidade à população, podem ser seriamente danificados caso não esteja garantida sua autonomia. E é exatamente isso que está em risco caso a Reforma Administrativa seja aprovada.

Com a desculpa de combater privilégios, não justificada tecnicamente, o governo Bolsonaro, com anuência do Congresso, vai alterar mais uma vez a Constituição para ferir de morte o Estado brasileiro e nosso meio ambiente.