Reforma Administrativa fragiliza a polícia e põe em risco os brasileiros
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Reforma Administrativa fragiliza a polícia e põe em risco os brasileiros

Polícia fica fragilizada com PEC 32

O trabalho da polícia é complexo, sensível e perigoso – tanto nas ruas quanto nas investigações que exigem estudo, colaboração entre diversos setores da administração pública e muita dedicação. A PEC 32/2020, proposta de Reforma Administrativa do governo, ignora isso tudo: o projeto compromete profundamente a atuação das polícias brasileiras, em especial por três motivos: 1) a invenção do “servidor trainee”; 2) a dificuldade em se definir o que seriam “carreiras típicas de Estado” e o impacto que isso traz a todos os serviços que colaboram com os órgãos de segurança; e 3) o fim da estabilidade e dos concursos públicos, que aumentariam os apadrinhamentos políticos e dificultariam a investigação de políticos e poderosos. Quer entender melhor? Vamos explicar ponto a ponto:

O servidor trainee
Primeiro problema: a invenção do “servidor trainee”. Um dos pontos da reforma prevê um prazo de dois anos para a confirmação do servidor que passou no concurso no posto em que foi aprovado (o texto ignora que já existe um período de estágio probatório para os recém selecionados). Isso pode acontecer, por exemplo, para o posto de delegado. 

Tratando-se de um importante cargo da segurança pública, isso evidencia dois grandes perigos dessa Reforma Administrativa: por um lado, ela diminui a capacidade técnica nas investigações policiais, uma vez que os servidores podem não ser efetivados mesmo após dois anos exercendo uma função (o que significa que uma nova pessoa teria que ser treinada e assumir o trabalho – para depois, talvez, não ser efetivada também). Aliás, esse problema se aplica a todos os serviços e carreiras.

Por outro lado – e ainda pior -, essa rotatividade permite que alguém trabalhe por dois anos em investigações, tendo acesso a dados sensíveis e sigilosos, conhecendo o cotidiano do trabalho da polícia para então, depois de todo esse tempo, não ser efetivado: “Ele vai ter acesso a investigações e a técnicas policiais e, se não for confirmado, nós teremos uma pessoa muito suscetível a ser cooptada pelo crime organizado”, alertou o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Edvandir Paiva, em entrevista ao programa Justiça em Foco.

Há quem argumente que, enquanto for “trainee”, o novo delegado não terá acesso a informações relevantes de investigações. Mas então de que servirá o treinamento se ele não exercer as funções para as quais foi contratado? Como será avaliado se é bom servidor ou não?

As carreiras típicas de Estado
Segundo problema: a PEC 32 não prejudicará carreiras que forem definidas como “típicas de Estado” – todas as outras, sim. Porém, o texto não explicita que carreiras são essas – o que seria definido mais tarde por meio de leis complementares (o que pode demorar muito). Propostas de emenda à PEC 32 tentam garantir o trabalho das polícias nessa categoria, mas são insuficientes: a questão é muito complexa – assim como o trabalho de policiais em delegacias e nas ruas – e precisa ser debatida a fundo.

Existem muitas atividades realizadas por policiais, em diferentes cargos e de diferentes tipos. Esse é um ponto fundamental, afinal diferentes “carreiras” compõem o trabalho da polícia e – apesar das emendas – algumas ainda poderão ser atingidas pelos danos da reforma. Se não o policial na rua, talvez quem faz o trabalho administrativo (e que também tem acesso a informações sensíveis, como mostramos no primeiro ponto). Além disso, o trabalho da polícia se dá em colaboração com diversos setores da administração pública, ou seja: prejudicar outras carreiras também prejudicará, indiretamente, o trabalho na área da segurança.

Concursos e estabilidade
Terceiro problema: a Reforma Administrativa põe em risco a estabilidade de servidores e acaba com os concursos públicos, permitindo a indicação política para o preenchimento de cargos técnicos. Embora precisemos punir os maus servidores, a medida prevista na PEC 32 dificultaria muito investigações e denúncias contra políticos influentes e pessoas poderosas, como grandes empresários envolvidos em casos de corrupção. Afinal, caso alguma investigação os comprometa, podem fazer pressão política e demitir os policiais que estão trabalhando no caso, além de indicar alguém que os agrade. A possibilidade de apadrinhamentos políticos em cargos de chefia – sem concursos – é muito preocupante: “Isso simplesmente acaba com o trabalho técnico e republicano”, explica Edvandir Paiva. Em outras palavras, significa o aparelhamento da polícia por interesses políticos, para que ela NÃO realize o seu trabalho.

Ora, para executar bem as suas tarefas de investigação e de ação pela segurança de todos nós, o policial precisa ele próprio de segurança institucional – exatamente o que essa “reforma” administrativa pretende tirar, deixando policiais e todos os servidores ainda mais em risco e desprotegidos.

Uma polícia fragilizada interessa a quem?