Shutdown do Estado: servidores denunciam manobra em aprovação do Orçamento 2021 - Que Estado queremos?
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Shutdown do Estado: servidores denunciam manobra em aprovação do Orçamento 2021

Shutdown do Estado

O Congresso Nacional aprovou na última quinta-feira (25) um Orçamento para 2021 que deve provocar um shutdown, ou seja, uma paralisação da máquina pública. Tudo isso para cumprir o que está estipulado pelo Teto de Gastos. A medida, aprovada em 2016, congela gastos públicos por 20 anos.

Diante dessa situação, os servidores do Ministério da Economia alertam para o fato de que o Orçamento é inexequível. Foram cortadas despesas obrigatórias (pagamentos de salários e aposentadorias, por exemplo) e turbinadas as emendas parlamentares.

A manobra teve o apoio do presidente Jair Bolsonaro, que viu na concessão de mais emendas uma chance de ouro para a reeleição de 2022. O contingenciamento orçamentário pode ficar entre R$ 30 bilhões e R$ 40 bilhões.

Um documento assinado pela Assecor (Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Planejamento e Orçamento) foi divulgado no sábado (27). Os servidores relatam apreensão em divulgar a nota por medo de retaliações e demissões.

Para atingir o contingenciamento necessário a fim de cumprir o que foi aprovado, as despesas discricionárias teriam que ficar em um patamar próximo a R$ 50 bilhões, bem abaixo do mínimo, que é de aproximadamente R$ 80 bilhões.

A nota chama atenção para o momento crítico por que passa o Brasil com a pandemia da covid-19 e como as políticas de ajuste fiscal adotadas pioram a situação. “A obsessão pela redução dos gastos públicos e a priorização do cumprimento de metas fiscais de curtíssimo prazo, insensíveis aos ciclos econômicos e às necessidades sociais, estão impedindo o Estado brasileiro de cumprir adequadamente com suas atribuições constitucionais, o que acaba se refletindo nas leis orçamentárias”. Leia aqui.

Para Roseli Faria, vice-presidente da Assecor, o orçamento já era insuficiente e foi discutido sem transparência. “O relator fez uma emenda recalculando as despesas obrigatórias para baixo. Aquilo que já estava subestimado ficou ainda pior. Isso foi feito para se ter espaço para a liberação de emendas parlamentares. Hoje, temos aprovada uma peça de ficção. Corremos o risco de um shutdown“, diz.

Para ela, a solução para o problema deve ser pensada em duas frentes: estrutural e conjuntural. “Temos que repensar o conjunto das nossas regras fiscais e estabelecer regras transparentes, exequíveis, que cumpram nossos objetivos de sustentabilidade fiscal e também de redução de desigualdades. De forma conjuntural, poderíamos pensar em uma PEC para prorrogar o orçamento de guerra do ano passado”, explica.

Outra possibilidade seria uma declaração de calamidade pública, em que se afastam algumas regras fiscais e se faz uso de créditos extraordinários. “Eu não gosto muito desse caminho”, diz Roseli. “Porque você afasta o planejamento, a transparência… A verdade é que para resolver é só por meio de uma reforma estrutural que reconheça que esse conjunto de regras fiscais só tem piorado nos últimos anos”.

Ela reforça que a pandemia provavelmente não chegará ao fim, em 2021, e que o Brasil sairá deste ano em uma situação muito pior, com crise econômica e maior necessidade da população de serviços públicos oferecidos pelo Estado. “É importante reconhecer que vamos precisar de muito Estado no futuro”.

Sobre o medo de retaliação, Faria diz que os servidores queriam avisar a população que o Orçamento de 2021 “é uma peça de ficção” e que vai provocar um apagão no Estado.

“Também queríamos alertar para a situação dos funcionários públicos na área de planejamento e orçamento. Porque se a gente cumpre o regramento fiscal, faltam recursos para a sociedade. Se a gente não cumpre, incorremos em irregularidades e até crimes financeiros. Decidimos avisar publicamente que não faremos nem um nem outro”.

Ela reforça a importância do princípio da estabilidade do servidor público para que denúncias como essas não resultem em perseguições. “A gente se sentiu confortável em fazer a nota porque temos as prerrogativas institucionais de estabilidade. Se a Reforma Administrativa tivesse sido aprovada, provavelmente pensaríamos duas vezes antes de soltar a nota”, declara.

“A meu ver, o conjunto de reformas que temos visto nos últimos anos visa simplesmente criar outro projeto de país não discutido com a sociedade e não executado de modo formal por meio de convocação de outra constituinte. Felizmente, a Reforma Administrativa ainda não foi aprovada. A situação é muito trágica, deveríamos nos preocupar em salvar vidas, garantir renda para que as pessoas cumpram minimamente as medidas sanitárias, mas temos que denunciar contabilidade criativa”, finaliza.