A Ford, uma das montadoras mais antigas a atuar no Brasil, anunciou sua saída do País no dia 11 de janeiro de 2021. “Continuidade de ambiente econômico desfavorável” e “pressão adicional causada pela pandemia” de covid-19 foram os motivos alegados pela empresa para a debandada para terras argentinas.
Os prejuízos não serão sentidos somente pelos consumidores, que terão de comprar modelos Ford importados. Três fábricas serão fechadas até o meio do ano: Camaçari (BA), Taubaté (SP) e Horizonte (CE). Com isso, cerca de 12 mil trabalhadores diretos e indiretos deverão somar-se às enormes filas de brasileiros desempregados.
Em declaração à imprensa, o presidente Jair Bolsonaro disse que a Ford queria subsídios para permanecer no País. Em resposta, as montadoras disseram querer competitividade. Além disso, o presidente da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) criticou o que chamou de “politização do anúncio do fechamento das fábricas da Ford no Brasil”.
Esse acontecimento marcante para a história da indústria nacional traz o questionamento sobre decisões tomadas pelo Executivo e Legislativo brasileiros nos últimos 6 anos. Foram aprovadas uma série de reformas estruturantes, como a trabalhista e a previdenciária, sob a justificativa de que isso melhoraria a economia e geraria mais emprego e oportunidades, inclusive, contribuiria com a competitividade no setor. Hoje, o argumento de que o Brasil precisa se reinventar e ter um ambiente fiscal mais saudável continua sendo usado para defender novas reformas, como a Administrativa e Tributária.
A saída da Ford neste momento é emblemática. Instalada no País desde 1919 e tendo feito parte do processo de industrialização brasileira com avanços e recuos – e muitos capítulos escritos por incentivos fiscais concedidos por governos estaduais e federal – não reforça esse ponto de vista, mas mostra que essas reformas, da forma como estão sendo propostas e aprovadas, não trazem benefício ao Brasil, pelo contrário, estão diminuindo nossas condições de competitividade em comparação com outros países da América Latina e do restante do mundo.
Para o economista e professor da USP Paulo Feldmann, “o ambiente de negócios do País se tornou nocivo, pois tem à frente um governo que empreende uma ofensiva contra essas empresas”, e as declarações de Bolsonaro contra a montadora são exemplo claro disso.
Para ele, a decisão da Ford não deve ser isolada e outras multinacionais devem abandonar o País nos próximos anos. No entanto, ele atenta para o fato de que não podemos culpar apenas o governo Bolsonaro, mas o ambiente desfavorável para negócios que temos há muitos anos.
Feldmann, em entrevista à Carta Capital, chama atenção para a necessidade de uma reforma tributária, mas critica o discurso incansavelmente repetido pelo ministro da Economia Paulo Guedes em favor da Reforma Administrativa. “A única coisa que o Paulo Guedes sabe falar é das ‘reformas’. ‘Ah, a reforma administrativa é fundamental’. Por que ela é fundamental? A reforma tributária seria importante se ela aliviasse um pouco a carga tributária das empresas. A tributação no Brasil onera as pessoas jurídicas e as pessoas físicas mais pobres. O muito rico não paga imposto de renda”, disse em entrevista à Carta Capital.
Há de se analisar o episódio com preocupação com a desindustrialização do País e o aumento do desemprego. Em capítulo recente da nossa economia, o Brasil apresentava números de pleno emprego e fortes incentivos à industrialização (inclusive às montadoras). Isso sem a necessidade de reformas que prejudiquem o Estado, os servidores e os trabalhadores.