Os modelos de Administração Pública e a reforma administrativa
Debate

Os modelos de Administração Pública e a reforma administrativa

Os consultores Antônio Augusto de Queiroz e Luiz Alberto dos Santos escrevem ao Conjur sobre a Administração Pública e os impactos que a proposta de reforma administrativa do governo Bolsonaro, na forma da PEC 32/20, pode trazer sobre ela.

O modelo patrimonialista, que vigorou na Europa do século 15 ao 18, tinha como fundamento a crença na tradição, nos costumes da época, ditado pelos monarcas, e que foi praticado no Brasil nos períodos do Império e da República Velha. Trata-se de um modelo marcado por castas, laços de sangue, nepotismo, clientelismo, em que o monarca dispunha, em caráter pessoal e como propriedade, das rendas, dos cargos e dos bens públicos. Foi um modelo marcado pela ineficiência, má gestão, corrupção e total ausência de mecanismos de prestação de contas, além de elitista e autoritário. 

O modelo burocrático, descrito como “tipo ideal” por Max Weber, por sua vez, desenvolveu-se ao longo da história, como exemplifica a China, sob o confucionismo, e consolidou-se no mundo, a partir das experiências de países como França, Inglaterra e Alemanha, da segunda metade do século 19 até o final dos anos de 1970. Implementado tardiamente, e de forma incompleta, em países como o Brasil, onde ainda vigora precariamente, tem como fundamento a crença na razão, na prevalência do racional-legal. 

Trata-se de um modelo de Administração Pública com fundamento nos princípios do formalismo, da impessoalidade e do profissionalismo, na qual prevalecem os controles formais dos processos de decisão, a hierarquia funcional rigorosa, a previsão de rotinas e procedimentos. Os servidores públicos são recrutados por concurso público, de forma impessoal, valorizando o conhecimento aferido em provas, e têm estabilidade no emprego, como forma de assegurar a impessoalidade e a continuidade na prestação de serviços públicos.

Esse modelo passa a ser questionado e dá lugar ao modelo gerencial, ou a Nova Gestão Pública (NPG), que teve em países como Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia e Holanda os seus precursores, a partir do final da década de 1970. Está associado ao modelo neoliberal, e tem como um de seus componentes a privatização de empresas estatais, e a transferência da execução dos serviços públicos a entidades privadas, com maior ou menor grau de dependência do Estado.  Sua lógica parte do pressuposto da superioridade do setor privado sobre o setor público na prestação de serviços.

Esse modelo, que se baseia na lógica de mercado, teve vida curta. Ele não se sustentou na Administração Pública, porque adota a lógica da relação cliente-consumidor, uma relação própria para o setor privado, mas inadequada para o setor público. 

Com o fracasso do modelo gerencial ou da Nova Gestão Pública, entrou em cena, ainda de modo emergente, no início do século 21, a chamada Nova Governança Pública, que combina aspectos da Administração tradicional e da Administração gerencial.

Trata-se de um modelo que visa a fortalecer a coordenação das políticas públicas, e funciona por meio de mecanismo de hierarquia (governo), mecanismos autorregulados (mercado) e mecanismos horizontais de cooperação (comunidade, sociedade, redes etc.). Ou seja, a governança inclui três setores: o setor público (atores e instituições estatais), o setor privado (família e empresas) e a sociedade civil ou terceiro setor (ONGs).

A ideia da boa governança, assim, requer um rigoroso processo de avaliação, no qual não se mede apenas a qualidade do serviço prestado, mas também a melhoria da da qualidade de vida e dos processos de governança. Ela implica, simultaneamente, em maior grau de responsabilização, de transparência, acesso à informação, integridade pública, confiança, eficiência e liderança.

Os autores enfatizam que a proposta de reforma administrativa do governo Bolsonaro não se enquadra em nenhum desses modelos, “pois seu objetivo não é a construção de mecanismo de gestão, mas de desmonte dos serviços e da máquina pública”.

Para eles, o substitutivo aprovado na Comissão Especial “ainda continua imprestável”, pois coloca em risco três sentidos fundamentais da máquina pública: o de continuidade, o de profissionalização e o de especialização.

“Os servidores têm razão: a reforma foi pensada para vigiar e punir os servidores, e não para melhorar a qualidade do serviço público ou a meritocracia na gestão pública. Por isso, ela não merece ser aprovada. Ela é um anacronismo, uma colcha de retalhos de más ideias e princípios equivocados, que já se mostraram inadequados a um projeto de desenvolvimento inclusivo e incompatíveis com o papel do Estado pós-Covid-19”, concluem.

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