Ainda que o texto aprovado pela Comissão Especial seja melhor do que o que chegou ao Congresso pelas mãos do governo, a PEC da Reforma Administrativa segue carregando uma série de perigos que não justificam ou depõem contra as grandes mudanças que serão feitas na Constituição Federal caso ela seja aprovada.
Sendo assim, listamos abaixo os problemas da PEC 32/2020 que ainda persistem no substitutivo do deputado Arthur Maia (DEM-BA).
1. Farsa da economia. Desde a apresentação do texto, no final de 2020, não foram entregues estudos oficiais que justifiquem uma suposta economia de recursos públicos alegada pela equipe econômica do governo. Esse, inclusive, foi um dos maiores pontos de cobrança dos deputados de oposição nas duas Comissões pelas quais transitou a proposta: a CCJ e a Comissão Especial.
O ministro Paulo Guedes, da Economia, vem divulgando números R$ 300 milhões e R$ 450 milhões que seriam economizados em dez anos, mas não explica de onde esses números surgiram nem quais foram os parâmetros utilizados para fazer os cálculos. Pelo contrário, o Ministério da Economia reconheceu, após exigência de estudos do TCU, que as propostas se baseiam em meros “exercícios de possibilidades”.
2. Ampliação da possibilidade de contratos temporários. O texto apresentado por Maia manteve a possibilidade de que União, Estados e Municípios estabeleçam contratos temporários com duração de até 10 anos. Isso traz uma série de problemas ao serviço público advindos da possibilidade de terceirização irrestrita, como o fim ou diminuição considerável dos concursos públicos e a precarização das relações de trabalho, que impactam negativamente na qualidade do serviço oferecido à população.
Transformar um instrumento que deveria ser temporário em regra, com contratos “temporários” de 10 anos e prorrogáveis é um contrassenso.
3. Privatização nem sempre é o melhor caminho. O artigo 37-A, que havia sido suprimido, mas voltou ao substitutivo de Maia, cria instrumentos de cooperação com empresas privadas, portanto, sem necessidade de licitação. Na prática, isso amplia a interferência do setor privado nos serviços públicos, o que tem rendido à PEC o apelido de “PEC da rachadinha”.
Hoje, temos um caso emblemático de como o setor privado não trabalha visando o bem da população, e sim o lucro, com o escândalo envolvendo a operadora de planos de saúde privados Prevent Senior. A CPI da Covid investiga denuncias de antigos médicos da instituição que foram demitidos por se recusarem a receitar remédios sem eficácia comprovada contra a covid-19. A empresa é acusada de usar pacientes como cobaias em tratamentos com remédios como hidroxicloroquina e ivermectina, com o aval do governo, e também de passar pacientes a cuidados paliativos sem o consentimento de familiares.
4. Superpoderes concedidos à União. O relatório traz um dispositivo, no artigo 22, que diz que compete privativamente à União legislar sobre criação e extinção de cargos públicos, concursos públicos, critérios de seleção e requisitos para investidura em cargos em comissão, estruturação de carreiras, política remuneratória, concessão de benefícios, gestão de desempenho, regime disciplinar, processo disciplinar, cessão e requisição de pessoal.
Esse dispositivo concede superpoderes à União de legislar sobre esses aspectos fundamentais do serviço público. Além disso, no mesmo artigo, traz outro dispositivo, que dá competência privativa à União de legislar sobre a perda de cargo público por desempenho insatisfatório de servidor estável ou pelo conhecimento de que o cargo se tornou desnecessário.
5. Possibilidade de redução de jornada de servidores. O substitutivo traz no artigo 169 um dispositivo que permite redução da jornada de trabalho em até 25% com redução de salário dos servidores públicos.
Hoje, por exemplo, existe um déficit de pelo menos 4,5 mil servidores na Defensoria Pública, a única forma de acesso à saúde para a população mais vulnerável do País. A redução da jornada é também a redução da oferta de serviços que já carecem de servidores públicos para atender à demanda da sociedade.
6. Possível aumento da corrupção na administração pública. A PEC, além de não combater privilégios, aumenta o risco da prática de corrupção na administração pública pelo aumento da ingerência política. Uma dessas possibilidades está no dispositivo exposto acima, de cooperação com a iniciativa privada. Existe a preocupação de desvios de recurso da saúde e educação, por exemplo.
Outra brecha é a diminuição da realização de concursos públicos, já que governadores, prefeitos e o governo federal poderão contratar servidores por outras vias.